segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Capítulo 4 Shingue - “Fé e Compreensão”



Kumarajiva era um estudioso do Sutra do Lótus e fez a seguinte colocação a respeito do quarto capítulo: "Espírito inato de procurar continuamente pelo auto-aprimoramento" e chama isso de Fé e compreensão.

Neste capítulo, os quatro grandes ouvintes, os homens de erudição, que ouviram a parábola das três carroças e da casa em chamas ficam contentes com sua descoberta de que o mundo do estado de Buda existe na própria vida, dizendo: “Esta coroa de jóias insuperáveis veio a nós sem ser requisitada”. Os homens eram:

A “coroa de jóias insuperáveis” pode ser interpretada como indicando o ensino do Sutra de Lótus, o estado de Buda, ou a própria vida, que contém o estado de Buda. Eles compreendem que a intenção do Buda é substituir os dois veículos (de Erudição e Absorção) pelo veículo supremo (do estado de Buda). Eles demonstram sua compreensão contando a segunda das sete parábolas do Sutra de Lótus, “O homem rico e seu filho”.
 


“Honrado pelo Mundo, nós gostaríamos agora de empregar uma parábola para tornar claro o que queremos dizer. Suponhamos que existia um homem, ainda novo, que tendo abandonado o seu pai, fugiu e viveu por muito tempo noutra terra, talvez por dez anos, vinte, ou mesmo cinquenta anos. Conforme envelheceu, ficou cada vez mais pobre e necessitado. Ele procurou em todas as direcções por comida e vestuário, errando cada vez mais longe até que o acaso o levou na direcção da sua terra natal.
“O pai entretanto tinha procurado o filho sem sucesso e fixou a sua residência numa certa cidade. A sua casa era muito abastada, com inúmeras riquezas e tesouros. Ouro, prata, lápis-lazuli, coral, âmbar e cristal abundavam nos seus armazéns. Tinha muitos criados, secretários, empregados, elefantes, cavalos, carruagens, bois e veados sem conta. Estava envolvido em empreendimentos lucrativos quer na sua casa quer nas redondezas, e tinha também muitos negócios com comerciantes e caixeiros viajantes.

“Nessa altura o filho pobre vagabundeava de terra em terra, passando por muitas cidades e vilas, até que por fim chegou à cidade onde o seu pai residia. O pai pensava constantemente no seu filho, mas apesar de terem decorrido mais de cinquenta anos desde a sua partida nunca falara desse assunto a ninguém. Ele apenas ponderava para si o seu coração cheio de mágoa e saudade. Ele achava-se velho e decrépito. Tinha grandes posses e fortuna, ouro, prata e tesouros raros que enchiam a transbordar os seus armazéns, mas não tinha nenhum filho, de modo que quando morresse as suas posses seriam desbaratadas e perdidas, pois não havia ninguém a quem confiá-las.
“Por esta razão ele pensava tão seriamente no seu filho. E tinha também este pensamento: se eu conseguisse encontrar o meu filho e lhe pudesse confiar confiar as minhas posses, poderia então sentir-me contente e em paz, sem mais preocupações.

“Honrado Pelo Mundo, nessa altura o filho pobre passava de um emprego para outro até que por acaso foi ter a casa do seu pai. Ele parou perante os portões, olhando de longe para o seu pai que estava num trono de leão, as suas pernas apoiadas numa banqueta de jóias, enquanto Brahmans, nobres e proprietários o rodeavam com deferência. Grinaldas de pérolas no valor de milhares adornavam o seu corpo, e servos e empregados segurando grandes leques brancos ladeavam-no perfilados ao seu serviço. Um dossel de jóias cobria-o, com bandeiras floridas penduradas, água perfumada aspergida pelo chão, pilhas de flores raras espalhadas, e objectos preciosos estavam constantemente a passar e a ser levados ou trocados. Estes eram os muitos e variados adornos, os sinais e marcas de distinção.

“Quando o filho pobre viu a grandeza do poder e autoridade do seu pai, ficou cheio de medo e arrependido por ter ido àquele local. Pensou secretamente para si: deve ser algum rei, ou alguém semelhante a um rei. Este não é o tipo de lugar onde eu possa arranjar trabalho e ganhar a vida. Seria melhor ir para uma vila pobre onde, se eu trabalhar arduamente, consiga encontrar um lugar para viver e ganhar o meu alimento e comida. Se eu ficar aqui por mais tempo, posso ainda ser preso! Tendo pensado assim foi-se embora daquele local.
“Nessa altura, o homem rico, sentado no seu trono, viu o seu filho e reconheceu-o de imediato. O seu coração encheu-se de alegria e pensou: Agora tenho alguém a quem confiar os meus armazéns de riquezas! Os meus pensamentos estiveram sempre com este meu filho mas eu não tinha maneira de o ver. Agora ele apareceu subitamente, correspondendo ao que eu tinha desejado. Apesar de eu ser velho e decrépito, ainda me preocupo com o destino dos meus pertences.
“Então ele mandou um empregado ir atrás do filho o mais depressa possível e traze-lo de volta. O mensageiro correu rapidamente e alcançou-o. O filho pobre, assustado e alarmado, gritou desesperado, “Não fiz nada de mal! Porque me querem prender?” mas o mensageiro segurou-o firmemente e trouxe-o de volta.

“Nessa altura o filho pensou, “Não cometi nenhum crime e ainda assim sou levado prisioneiro. Ainda vão acabar por me matar!” Estava mais assustado do que nunca e caiu no chão, desmaiando de desespero.
“O pai, vendo isto à distância, disse ao mensageiro, “Não preciso deste homem. Não o forcem a vir aqui. Espalhem água pela sua cara para que recobre os sentidos e depois não lhe digam mais nada!”
“Porque é que ele fez isso? Porque sabia que o seu filho era de modestas ambições e dificilmente aceitaria o seu poder e condição eminentes. Ele sabia muito bem que esse era o seu filho mas como meio expedito não o disse a ninguém.

“O mensageiro disse então ao filho pobre, “Vou-te libertar. És livre de ir para onde quiseres.” O filho ficou radiante, ganhando o que nunca tivera antes. Levantou-se do chão e dirigiu-se para a cidade de modo a procurar comida e roupa.
“Nessa altura o homem rico, desejando atrair o seu filho de volta, decidiu empregar um meio expedito e enviar dois homens disfarçados, homens de aspecto magro e macilento sem nenhum indício ameaçador. ”Ide procurar esse pobre homem e aproximem-se dele de forma casual. Digam-lhe que conhecem um lugar onde pode ganhar o dobro do salário habitual. Se ele concordar com a proposta, trazei-o para aqui e ponham-no a trabalhar. Se ele perguntar que tipo de trabalho lhe será destinado, digam-lhe que terá de limpar excremento e que vocês trabalharão com ele.”
“Os dois mensageiros foram de imediato procurar o herdeiro, e quando o encontraram, falaram-lhe de acordo com as instruções recebidas. Então o filho pediu um adiantamento do seu salário e foi depois com eles para ajudar na limpeza do excremento.

Quando o pai viu o seu filho, compadeceu-se e preocupou-se com ele. Dias depois, quando olhava da janela, viu o filho à distância, o seu corpo magro e macilento, sujo de excremento, imundice e impureza. O pai de imediato tirou os seus colares, as suas vestes finas e os outros adornos e vestiu roupas velhas e sujas. Espalhou sujidade no corpo, pegou num utensílio para remover excremento e adoptando modos rudes, falou para os empregados dizendo, “Continuem o vosso trabalho! Não sejam preguiçosos!” Através deste meio expedito ele foi capaz de se aproximar do seu filho.

“Mais tarde, ele falou novamente ao seu filho, dizendo, “Deves continuar neste trabalho sem nunca me deixares. Eu aumentarei o teu salário e quanto àquilo de que precisares, quer sejam utensílios, arroz, farinha, sal, vinagre e outros bens, não te deves preocupar. Eu tenho um velho criado que te pode ajudar quando precisares. Podes estar à vontade. Eu serei como um pai para ti. Porque digo isto? Porque já sou entrado em anos, mas tu és novo e robusto. Quando estás a trabalhar nunca és enganador ou preguiçoso nem dizes palavras rancorosas ou ressentidas. Não pareces ter nenhuma dessas faltas que os meus outros trabalhadores têm. De agora em diante, tu serás como meu próprio filho”. E o homem rico tratou de escolher um nome para o homem como se ele fosse seu filho.

“Nessa altura o filho pobre, apesar de se sentir encantado com este tratamento, ainda se via a si próprio como uma pessoa de condição humilde que estava ao serviço de outrem. Entretanto o homem rico manteve-o a limpar excremento nos vinte anos seguintes. Ao fim desse tempo, o filho sentia que confiavam nele e movimentava-se à sua vontade, mas continuava a viver no mesmo lugar de sempre.
“Honrado Pelo mundo, nessa altura o homem rico adoeceu e soube que não tardaria a morrer. Falou então com o seu filho dizendo, “Tenho grandes quantidades de ouro, prata e tesouros raros que enchem os meus armazéns. Deves assumir agora o controle das somas que tenho e das despesas e receitas. Porquê? Porque de agora em diante tu e eu não nos comportaremos como duas pessoas independentes. Por isso deves manter o teu bom senso e garantir que não hajam perdas ou erros.”
“Então o filho pobre, tendo recebido estas instruções, tomou a seu cargo a vigilância de todos os bens, o ouro, a prata, os tesouros raros e os vários armazéns, mas nunca pensou em apropriar-se da mais pequena soma. Continuou a viver no mesmo local de sempre, vendo-se a si mesmo como pessoa humilde e de baixa condição.

“Após ter passado algum tempo, o pai percebeu que o seu filho, pouco a pouco, ia-se tornando mais auto confiante e disposto a concretizar tarefas importantes, apesar da opinião depreciativa que tinha de si mesmo anteriormente. Verificando que o seu fim estava próximo, ordenou ao seu filho que marcasse uma reunião com o rei do país, os ministros, os nobres e os proprietários. Quando estavam todos juntos, fez o seguinte anuncio: “Senhores, deveis saber que este é meu filho de nascimento. Em tal cidade ele deixou-me e fugiu e por cinquenta anos acarretou sofrimentos e dificuldades. Tal é o seu nome original e tal é o meu nome. No passado, quando ainda vivia na minha cidade de nascimento, preocupava-me com ele e saí a procurá-lo. Algum tempo depois, subitamente, calhei de o encontrar. Este é verdadeiramente o meu filho e eu sou o seu pai. Agora, tudo o que me pertence, todos as minhas posses e fortuna devem por direito pertencer a este meu filho. Todos os assuntos de receitas e despesas ocorridos no passado são já do seu conhecimento.”

“Honrado Pelo Mundo, quando o filho pobre ouviu estas palavras do seu pai, foi invadido por uma grande alegria, tendo ganho o que nunca possuíra, e pensou para si: “Originalmente nunca tive qualquer ideia de cobiça por essas coisas. No entanto estes armazéns de tesouros vieram por si mesmos ter comigo!


O homem rico representa o buda Shakyamuni. 

O filho pobre simboliza as pessoas que não encontraram o budismo.

O buda Shakyamuni percebe a capacidade das pessoas, e as conduz gradativamente à iluminação, assim como o homem rico oferece ao filho o humilde trabalho para depois o delegar a tarefa de administrar a propriedade.

Do ponto de vista do Budismo Nitiren, o filho representa as pessoas que vagam pela vida sem nunca encontrar o Buda. 
O pai é o Buda Original Nitiren Daishonin, que legou o Gohonzon à humanidade. 
   
Como o filho pobre, as pessoas vivem sem saber que são Budas em potencial. Para que eles possam evidenciar essa condição de vida, Nitiren Daishonin inscreveu um mandala na forma do Gohonzon, possibilitando-as a conduzir plenamente a vida cheia de esperança, ilimitada alegria, energia vital e sabedoria.


Referências:

The Lotus Sutra – Burton Watson
PRELEÇÃO DOS CAPÍTULOS HOBEN E JURYO, Daisaku Ikeda, SP: Brasil Seikyo, 2001

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