Kumarajiva era um estudioso do Sutra do Lótus e fez a seguinte colocação a respeito do quarto capítulo: "Espírito inato de
procurar continuamente pelo auto-aprimoramento" e chama isso de Fé e compreensão.
Neste
capítulo, os quatro grandes ouvintes, os homens de erudição, que ouviram a
parábola das três carroças e da casa em chamas ficam contentes com sua
descoberta de que o mundo do estado de Buda existe na própria vida, dizendo:
“Esta coroa de jóias insuperáveis veio a nós sem ser requisitada”. Os homens eram:
A “coroa de jóias insuperáveis” pode ser interpretada como indicando o ensino do Sutra de Lótus, o estado de Buda, ou a própria vida, que contém o estado de Buda. Eles compreendem que a intenção do Buda é substituir os dois veículos (de Erudição e Absorção) pelo veículo supremo (do estado de Buda). Eles demonstram sua compreensão contando a segunda das sete parábolas do Sutra de Lótus, “O homem rico e seu filho”.
“Honrado pelo Mundo, nós gostaríamos agora de empregar uma
parábola para tornar claro o que queremos dizer. Suponhamos que existia um
homem, ainda novo, que tendo abandonado o seu pai, fugiu e viveu por muito
tempo noutra terra, talvez por dez anos, vinte, ou mesmo cinquenta anos.
Conforme envelheceu, ficou cada vez mais pobre e necessitado. Ele procurou em
todas as direcções por comida e vestuário, errando cada vez mais longe até que
o acaso o levou na direcção da sua terra natal.
“O
pai entretanto tinha procurado o filho sem sucesso e fixou a sua residência
numa certa cidade. A sua casa era muito abastada, com inúmeras riquezas e
tesouros. Ouro, prata, lápis-lazuli, coral, âmbar e cristal abundavam nos seus
armazéns. Tinha muitos criados, secretários, empregados, elefantes, cavalos,
carruagens, bois e veados sem conta. Estava envolvido em empreendimentos
lucrativos quer na sua casa quer nas redondezas, e tinha também muitos negócios
com comerciantes e caixeiros viajantes.
“Nessa
altura o filho pobre vagabundeava de terra em terra, passando por muitas
cidades e vilas, até que por fim chegou à cidade onde o seu pai residia. O pai
pensava constantemente no seu filho, mas apesar de terem decorrido mais de
cinquenta anos desde a sua partida nunca falara desse assunto a ninguém. Ele
apenas ponderava para si o seu coração cheio de mágoa e saudade. Ele achava-se
velho e decrépito. Tinha grandes posses e fortuna, ouro, prata e tesouros raros
que enchiam a transbordar os seus armazéns, mas não tinha nenhum filho, de modo
que quando morresse as suas posses seriam desbaratadas e perdidas, pois não
havia ninguém a quem confiá-las.
“Por
esta razão ele pensava tão seriamente no seu filho. E tinha também este
pensamento: se eu conseguisse encontrar o meu filho e lhe pudesse confiar
confiar as minhas posses, poderia então sentir-me contente e em paz, sem mais
preocupações.
“Honrado
Pelo Mundo, nessa altura o filho pobre passava de um emprego para outro até que
por acaso foi ter a casa do seu pai. Ele parou perante os portões, olhando de
longe para o seu pai que estava num trono de leão, as suas pernas apoiadas numa
banqueta de jóias, enquanto Brahmans, nobres e proprietários o rodeavam com
deferência. Grinaldas de pérolas no valor de milhares adornavam o seu corpo, e
servos e empregados segurando grandes leques brancos ladeavam-no perfilados ao
seu serviço. Um dossel de jóias cobria-o, com bandeiras floridas penduradas,
água perfumada aspergida pelo chão, pilhas de flores raras espalhadas, e
objectos preciosos estavam constantemente a passar e a ser levados ou trocados.
Estes eram os muitos e variados adornos, os sinais e marcas de distinção.
“Quando
o filho pobre viu a grandeza do poder e autoridade do seu pai, ficou cheio de
medo e arrependido por ter ido àquele local. Pensou secretamente para si: deve
ser algum rei, ou alguém semelhante a um rei. Este não é o tipo de lugar onde
eu possa arranjar trabalho e ganhar a vida. Seria melhor ir para uma vila pobre
onde, se eu trabalhar arduamente, consiga encontrar um lugar para viver e ganhar
o meu alimento e comida. Se eu ficar aqui por mais tempo, posso ainda ser
preso! Tendo pensado assim foi-se embora daquele local.
“Nessa
altura, o homem rico, sentado no seu trono, viu o seu filho e reconheceu-o de
imediato. O seu coração encheu-se de alegria e pensou: Agora tenho alguém a
quem confiar os meus armazéns de riquezas! Os meus pensamentos estiveram sempre
com este meu filho mas eu não tinha maneira de o ver. Agora ele apareceu
subitamente, correspondendo ao que eu tinha desejado. Apesar de eu ser velho e
decrépito, ainda me preocupo com o destino dos meus pertences.
“Então
ele mandou um empregado ir atrás do filho o mais depressa possível e traze-lo
de volta. O mensageiro correu rapidamente e alcançou-o. O filho pobre,
assustado e alarmado, gritou desesperado, “Não fiz nada de mal! Porque me
querem prender?” mas o mensageiro segurou-o firmemente e trouxe-o de volta.
“Nessa
altura o filho pensou, “Não cometi nenhum crime e ainda assim sou levado
prisioneiro. Ainda vão acabar por me matar!” Estava mais assustado do que nunca
e caiu no chão, desmaiando de desespero.
“O
pai, vendo isto à distância, disse ao mensageiro, “Não preciso deste homem. Não
o forcem a vir aqui. Espalhem água pela sua cara para que recobre os sentidos e
depois não lhe digam mais nada!”
“Porque
é que ele fez isso? Porque sabia que o seu filho era de modestas ambições e
dificilmente aceitaria o seu poder e condição eminentes. Ele sabia muito bem
que esse era o seu filho mas como meio expedito não o disse a ninguém.
“O
mensageiro disse então ao filho pobre, “Vou-te libertar. És livre de ir para
onde quiseres.” O filho ficou radiante, ganhando o que nunca tivera antes.
Levantou-se do chão e dirigiu-se para a cidade de modo a procurar comida e
roupa.
“Nessa
altura o homem rico, desejando atrair o seu filho de volta, decidiu empregar um
meio expedito e enviar dois homens disfarçados, homens de aspecto magro e
macilento sem nenhum indício ameaçador. ”Ide procurar esse pobre homem e
aproximem-se dele de forma casual. Digam-lhe que conhecem um lugar onde pode
ganhar o dobro do salário habitual. Se ele concordar com a proposta, trazei-o
para aqui e ponham-no a trabalhar. Se ele perguntar que tipo de trabalho lhe
será destinado, digam-lhe que terá de limpar excremento e que vocês trabalharão
com ele.”
“Os
dois mensageiros foram de imediato procurar o herdeiro, e quando o encontraram,
falaram-lhe de acordo com as instruções recebidas. Então o filho pediu um
adiantamento do seu salário e foi depois com eles para ajudar na limpeza do
excremento.
Quando
o pai viu o seu filho, compadeceu-se e preocupou-se com ele. Dias depois,
quando olhava da janela, viu o filho à distância, o seu corpo magro e
macilento, sujo de excremento, imundice e impureza. O pai de imediato tirou os
seus colares, as suas vestes finas e os outros adornos e vestiu roupas velhas e
sujas. Espalhou sujidade no corpo, pegou num utensílio para remover excremento
e adoptando modos rudes, falou para os empregados dizendo, “Continuem o vosso
trabalho! Não sejam preguiçosos!” Através deste meio expedito ele foi capaz de
se aproximar do seu filho.
“Mais
tarde, ele falou novamente ao seu filho, dizendo, “Deves continuar neste
trabalho sem nunca me deixares. Eu aumentarei o teu salário e quanto àquilo de
que precisares, quer sejam utensílios, arroz, farinha, sal, vinagre e outros
bens, não te deves preocupar. Eu tenho um velho criado que te pode ajudar
quando precisares. Podes estar à vontade. Eu serei como um pai para ti. Porque
digo isto? Porque já sou entrado em anos, mas tu és novo e robusto. Quando
estás a trabalhar nunca és enganador ou preguiçoso nem dizes palavras
rancorosas ou ressentidas. Não pareces ter nenhuma dessas faltas que os meus
outros trabalhadores têm. De agora em diante, tu serás como meu próprio filho”.
E o homem rico tratou de escolher um nome para o homem como se ele fosse seu
filho.
“Nessa
altura o filho pobre, apesar de se sentir encantado com este tratamento, ainda
se via a si próprio como uma pessoa de condição humilde que estava ao serviço
de outrem. Entretanto o homem rico manteve-o a limpar excremento nos vinte anos
seguintes. Ao fim desse tempo, o filho sentia que confiavam nele e
movimentava-se à sua vontade, mas continuava a viver no mesmo lugar de sempre.
“Honrado
Pelo mundo, nessa altura o homem rico adoeceu e soube que não tardaria a
morrer. Falou então com o seu filho dizendo, “Tenho grandes quantidades de
ouro, prata e tesouros raros que enchem os meus armazéns. Deves assumir agora o
controle das somas que tenho e das despesas e receitas. Porquê? Porque de agora
em diante tu e eu não nos comportaremos como duas pessoas independentes. Por
isso deves manter o teu bom senso e garantir que não hajam perdas ou erros.”
“Então
o filho pobre, tendo recebido estas instruções, tomou a seu cargo a vigilância
de todos os bens, o ouro, a prata, os tesouros raros e os vários armazéns, mas
nunca pensou em apropriar-se da mais pequena soma. Continuou a viver no mesmo
local de sempre, vendo-se a si mesmo como pessoa humilde e de baixa condição.
“Após
ter passado algum tempo, o pai percebeu que o seu filho, pouco a pouco, ia-se
tornando mais auto confiante e disposto a concretizar tarefas importantes,
apesar da opinião depreciativa que tinha de si mesmo anteriormente. Verificando
que o seu fim estava próximo, ordenou ao seu filho que marcasse uma reunião com
o rei do país, os ministros, os nobres e os proprietários. Quando estavam todos
juntos, fez o seguinte anuncio: “Senhores, deveis saber que este é meu filho de
nascimento. Em tal cidade ele deixou-me e fugiu e por cinquenta anos acarretou
sofrimentos e dificuldades. Tal é o seu nome original e tal é o meu nome. No
passado, quando ainda vivia na minha cidade de nascimento, preocupava-me com
ele e saí a procurá-lo. Algum tempo depois, subitamente, calhei de o encontrar.
Este é verdadeiramente o meu filho e eu sou o seu pai. Agora, tudo o que me
pertence, todos as minhas posses e fortuna devem por direito pertencer a este
meu filho. Todos os assuntos de receitas e despesas ocorridos no passado são já
do seu conhecimento.”
“Honrado
Pelo Mundo, quando o filho pobre ouviu estas palavras do seu pai, foi invadido
por uma grande alegria, tendo ganho o que nunca possuíra, e pensou para si:
“Originalmente nunca tive qualquer ideia de cobiça por essas coisas. No entanto
estes armazéns de tesouros vieram por si mesmos ter comigo!
O homem rico
representa o buda Shakyamuni.
O filho pobre simboliza as pessoas que não
encontraram o budismo.
O buda Shakyamuni percebe a
capacidade das pessoas, e as conduz gradativamente à iluminação, assim como o
homem rico oferece ao filho o humilde trabalho para depois o delegar a tarefa
de administrar a propriedade.
Do ponto de vista do
Budismo Nitiren, o filho representa as pessoas que vagam pela vida sem nunca
encontrar o Buda.
O pai é o Buda Original Nitiren Daishonin, que legou o Gohonzon à humanidade.
Como o filho pobre, as pessoas vivem sem saber que são Budas em potencial. Para
que eles possam evidenciar essa condição de vida, Nitiren Daishonin inscreveu
um mandala na forma do Gohonzon, possibilitando-as a conduzir plenamente a vida cheia de
esperança, ilimitada alegria, energia vital e sabedoria.
Referências:
The
Lotus Sutra – Burton Watson
PRELEÇÃO
DOS CAPÍTULOS HOBEN
E JURYO, Daisaku
Ikeda, SP:
Brasil Seikyo, 2001
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